Discos de Acresção

O disco de acresção se forma porque o gás que passa pelo ponto lagrangiano L1 tem momentum angular muito alto para cair sobre a estrela. Se a matéria espiralando tem alta densidade, as colisões do gás no disco convertem energia cinética em calor, aquecem o gás, que irradia e perde energia, entrando em órbita da estrela receptora. Mas a viscosidade do disco continua a converter energia cinética em calor, levando o disco a irradiar energia e, portanto fazendo com a matéria se desloque para órbitas mais internas. A fricção no disco carrega gás para fora, há transporte de momentum angular permitindo que parte da matéria seja acretada na estrela. Stuart Louis Shapiro (1947-) & Saul A. Teukolski (1947-) (1983, Black Holes, White Dwarfs and Neutron Stars, New York: John Wiley & Sons) calcularam a luminosidade do disco. Se a borda externa do disco tiver um raio grande comparado com o raio R da estrela que está acretando a matéria, de massa M, a matéria acretada ganhou uma energia gravitacional GM/R por unidade de massa. Parte da energia é perdida aquecendo o disco, enquanto a outra parte está disponível para a estrela ou para a zona de transição. A taxa com que a energia é liberada deve ser proporcional à taxa de acresção de massa, $ \dot{M}$. Se o sistema está em equilíbrio, então podemos igualar a taxa de aquecimento do disco com a luminosidade do disco. Se o campo magnético for desprezível, a luminosidade do disco será metade da variação da energia gravitacional:
$\L_\{disco} \simeq \frac{1}{2}\frac{G\dot{M}M}{R}\simeq 10^{34}
\frac{\dot{M}}{10^{-9}M_\odot/ano} {ergs/s}$
para anãs brancas (R=10 mil km), e
$L_{disco} \simeq \frac{1}{2}\frac{G\dot{M}M}{R}\simeq 10^{37}
\frac{\dot{M}}{10^{-9}M_\odot/ano} {ergs/s}$
para estrelas de nêutrons e buracos negros (R=10 km). A outra metade da energia vai para a estrela ou para a camada de transição do disco. Note que para taxas de transferência da ordem de 10-9 massas solares por ano, típica de sistemas interagentes, a luminosidade do disco é muito maior do que a luminosidade do Sol.

Envelope Comum

Os modelos que evoluíram além da base do ramo das gigantes possuem um envelope convectivo. Estes modelos expandem em resposta a perda de massa, desde que esta não seja muito grande. Para estrelas de massa intermediária, este limite corresponde a aproximadamente $\dot{M} \simeq 10^{-4}$ a $10^{-2}~M_\odot/ano$.

Uma companheira típica de uma estrela de massa baixa ou intermediária que perde massa é uma estrela de baixa massa ou uma anã branca. Para acréscimo em estrelas de baixa massa, a massa acretada torna-se quente no disco de acresção, o que faz a anã branca expandir quando recebe massa.

No caso de uma anã branca com cerca de $0,6~M_\odot$, quando a camada acretada atinge cerca de $0,001~M_\odot$, o hidrogênio queima-se termonuclearmente na camada acretada, e a estrela expande-se rapidamente, atingindo proporções de uma gigante vermelha. A receptora portanto também preenche seu lóbulo de Roche, e ao invés da transferência de massa da doadora para a receptora, ocorre a fase de envelope comum, isto é, ambos lóbulos de Roche são preenchidos e a matéria expelida pela primária preenche a região além dos lóbulos, formando um envelope comum em expansão.

Esquema da fase de envelope comum.
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A fricção entre a matéria do envelope comum e as estrelas imersas no envelope ao mesmo tempo causa a perda de massa do sistema e o espiralamentos das estrelas em direção à outra. Quando a maior parte da matéria rica em hidrogênio do envelope da estrela doadora passa pelo envelope comum e é perdida do sistema, o remanente compacto da primária e sua companheira estão em uma órbita mais próxima.

O envelope comum foi proposto por Bohdan Paczynski (1940-2007), em seu artigo de 1976, no IAU Symposium 73, Structure and Evolution of Close Binary Systems, ed. Peter P. Eggleton, Simon Mitton e John Whelan (Dordrecht: Reidel), p.75.

Um exemplo deste processo é a binária V471 Tau, consistindo de uma anã branca com uma companheira vermelha aproximadamente 0,6 magnitudes acima da sequência principal. As estrelas têm massa similares, próximas de $0,7~M_\odot$, e estão separadas por aproximadamente $3~R_\odot$, cerca de cinco vezes o raio da estrela vermelha. Para produzir uma anã branca de $0,7~M_\odot$, a precurssora deveria ter uma massa entre $3,5~M_\odot$ e $4,5~M_\odot$ e, portanto, deve ter atingindo um raio maior do que o raio no final da sequência principal, de $4~R_\odot$, antes de preencher seu lóbulo de Roche. Além disto, como a companheira também tem somente $0,7~M_\odot$, a maior parte da massa do sistema foi perdida, e a distância entre as estrelas reduzida.

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Cenários para a evolução de binárias, segundo Icko Iben Jr. (1991) Astrophysical Journal Supplement, 76, 55. Linhas onduladas indicam transições causadas por emissão de ondas gravitacionais. Os círculos pequenos abertos indicam estrelas não evoluídas, enquanto os círculos fechados representam os núcleos degenerados das gigantes. Mcr é a massa crítica de Chandrasekhar. Os asteríscos indicam anãs brancas ou estrelas de nêutrons. Elipses girando no sentido anti-horário indicam discos de acresção. A probabilidade de ocorrência do produto final na base da figura foi calculada usando-se uma taxa de formação de binárias de 1 por ano, na nossa Galáxia.
As estrelas R Coronae Borealis são variáveis irregulares, com atmosferas deficientes em hidrogênio, ricas em carbono e oxigênio, e com grande formação de grãos de poeira (grãos amorfos de carbono) que obscurecem temporariamente a estrela. Com o tempo a poeira sai da linha de visada e a estrela é visível novamente. R Cor Bor foi descoberta em 1796 por Edward Pigott (1753-1825). São provavelmente formadas em um flash de hélio ou na coalescência de um sistema binário de anãs brancas [Geoffrey C. Clayton (1996) "The R Coronae Borealis Stars", Publications of the Astronomical Society of the Pacific, 108, 225.]
RCorBor
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Cenário para a formação de uma supernova tipo Ia a partir de uma binária inicialmente com duas estrelas relativamente massivas, que evoluem por duas fases de envelope comum em um par de anãs brancas com núcleos de C/O, e com massa combinada acima do limite de Chandrasekhar, segundo os cálculos de Icko Iben Jr. e Alexander Vasillevich Tutukov (1984) Astrophysical Journal Supplement Series, 54, 335.

Variáveis Cataclísmicas e Transientes de Raio-X

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Uma classe de binárias interagentes é a das Variáveis Cataclísmicas, em que a estrela que recebe massa é uma anã branca. Em geral a doadora é uma estrela de baixa massa e fria, uma anã vermelha. O período orbital típico é de algumas horas e a separação em geral menor do que o raio do Sol. Merle F. Walker, nos anos 1950, propôs que as variáveis cataclísmicas eram binárias. Seus brilhos mudam drasticamente e constantemente. A maioria possui discos de acresção. Com períodos orbitais entre 1 h e 12 h, se assumirmos que as duas estrelas têm massas da ordem da massa do Sol, obtemos separações entre 0,5 a 3 raios solares, da 3a. Lei de Kepler.

SS Cyg
Curva de luz de SS Cyg, plotada por John Cannizzo com os dados do AAVSO (American Association of Variable Star Observers) e publicada no livro Cataclysmic Variable Stars, de Brian Warner (1996).
As primeiras descobertas foram as novas, por exemplo a Nova Vulpecula 1670, descoberta pelo Padre Dom Anthelme como um estrela de segunda magnitude, que variam de brilho entre 6 e 19 magnitudes, em escalas de tempo de meses a anos. As de maior amplitude enfraquecem mais rapido. As variações são causadas pela queima explosiva do hidrogênio acretado na anã branca.
Nova CygniNova Cygni 1992, fotografada pelo Telescópio Espacial Hubble.
Algumas são novas recorrentes e pelo menos uma, T Pyx, apresentou jatos colimados emanando do disco de acresção (Tariq Shahbaz, Mario Livio, Karen A. Southwell & Phil A. Charles. 1997, Astrophysical Journal, 484, 59). Os sistemas com jatos são conhecidos como microquasares.

Outro grupo de variáveis cataclísmicas não magnéticas é o das novas anãs. Suas variações são de 2 a 5 magnitudes, mas ocorrem mais frequentemente do que nas novas, possivelmente causadas pela variação na taxa de acresção de massa pelo disco. Outro grupo é o das nova-like (parecidas com novas), que não sofrem variações extremas (outbursts) e, portanto, mantém o brilho médio. Em geral, a maior parte da luz visível destes sistemas vem do disco de acresção, pois o plasma é aquecido ao espiralar no potencial da estrela primária.

HotSpot Mancha quente
Decomposição das contribuições em luz da emissão do disco, mancha quente e anã branca durante um eclipse, para Z Cha, de acordo com Janet Wood, Keith Horne, Graham Berriman, Richar Wade, Darragh Evelyn Anthony Adam O'Donoghue (1957-2015) e Brian Warner, 1986, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 219, 629.
HotSpot A mancha quente (hot spot), onde a matéria da secundária está impactando o disco, causa aumento do brilho quando passa pela linha de visada. As cataclísmicas magnéticas têm campos magnéticos de milhões de Gauss, o que impede a formação do disco e afunilam a acresção pelos pólos das estrelas, liberando intensamente em raios-X. Se o campo é tão forte que sincroniza o sistema, os sistemas chamam-se polares. Nos polares intermediários, o disco só é destruído muito próximo da anã branca.

Uma classe similar de objetos é a dos Transientes de Raio-X (LMXB = Low Mass X-Ray Binaries), em que a receptora é uma estrela de nêutrons ou um buraco negro.

RaioX
Se a primária é uma estrela de nêutrons, vemos pulsos de raio-X das manchas quentes nos pólos, com a rotação da estrela.

RaioX John Michael Blondin calculou com modelos tridimensionais a evolução temporal do acresção.
Note que a acresção em objetos compactos é mais efetiva do que a fusão nuclear na liberação de energia, já que a fusão de H em He libera E=0,007Mc2, enquanto a acresção libera a energia cinética, da ordem de E~0,2Mv2queda, e vqueda~vescape~0,5c para estrelas de nêutrons e buracos negros, resultando em E~0,25Mc2!

As estrelas em sistemas binários próximos com estrelas quentes (O ou Be) também são afetadas pelo vento estelar da estrela massiva e pelo própio aquecimento das camadas externas pela radiação da estrela massiva. Existem várias centenas de binárias que emitem raio X devido à incidência de vento da estrela massiva (HMXB = High Mass X-Ray Binaries).

Um Catálogo e Atlas de Variáveis Cataclísmicas, congelado em fevereiro de 2006, foi publicado por Ronald A. Downes, Ronald F. Webbink, Michael M. Shara, Hans Ritter, Ulrich Kolb, Hilmar W. Duerbeck (2001, Publications of the Astronomical Society of the Pacific, 113, 764).

Matt A. Wood, Joshua Dolence, & James C. Simpson (2006, Publications of the Astronomical Society of the Pacific, 118, 442), publicaram um programa de simulação (Smooth Particles Hydrodynamics) de discos de acresção, FITDisk, que mostra não só o sistema mas a curva de luz simulada.

Hynes Rob I. Hynes também tem um programa de visualização de sistemas binários. Esta figura refere-se à Binária Transiente de Raio-X (LMXB) GRO J1655-40, em que uma estrela secundária de 1,7 a 3,3 massas solares, saindo da seqüência principal, orbita um buraco negro com 5,5 a 7,9 massas solares, e depois de 30 anos sem atividades, mostrou várias explosões desde 1994 (The 1996 Outburst of GRO J1655-40: Disc Irradiation and Enhanced Mass Transfer Ann A. Esin, Jean-Pierre Lasota, Robert I. Hynes. 2000, Astronomy & Astrophysics, 354, 987.
O Catalogue of Cataclysmic Binaries, Low-Mass X-Ray Binaries and Related Objects RKcat Edition 7.24 (31 Dec 2015), de Hans Ritter e Ulrich Kolb, contém 1429 CVs, 108 LMXBs, e 619 objetos correlatos.
Andrew Beardmore também tem um programa de visualização e imagens produzidas.

Branimir Sesar, Zeljko Ivezic & Mario Juric, 2017, Candidate Disk Wide Binaries in the Sloan Digital Sky Survey, The Astrophysical Journal, Volume 689, Issue 2, pp. 1244-1273, estimaram que separações de até θ0≃10" tem excesso de sistemas em relação à separações randomicas.

Yan-Fei Jiang & Scott Tremaine, 2010, The Evolution of Wide Binary Systems estimaram o efeito de forças de maré da Galáxia sobre sistemas binários, concluindo que sistemas com separação

rJ=[G(M1+M2)/4ΩgAg]1/3=1,70 pc [(M1+M2)/2MSol]1/3

são ligados, e separações maiores levam à lenta separação dos sistemas, ito é, para cerca de 40 mil UA de separação, vmaré/vorb≃0,1.

Comparando a energia de ligação de um sistema binário, E=-GM/2a, com a probabilidade de interação entre as estrelas do disco galático, estima-se que para separações maiores que a=0,1~pc=20 mil UA, binárias são destruídas em menos de 10 Ganos (Ernst Öpik 1932, Note on Stellar Perturbations of Nearly Parabolic Orbits, Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences, Vol. 67, p. 169)

Jeff J. Andrews, Julio Chanamé & Marcel A. Aguero 2017, Wide binaries in Tycho-Gaia: search method and the distribution of orbital separations, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Volume 472, Issue 1, p.675-699 comprovaram que a partir de 40 mil UA de separação, muitos sistemas têm velocidade total acima da velocidade de ligação e portanto podem ser binárias ionizadas, grupo em comovimento ou estrelas alinhadas acidentalmente.

Morgan Fouesneau, Hans-Walter Rix; Ted von Hippel, David W. Hogg & Haijun Tain, 2019, Precise Ages of Field Stars from White Dwarf Companions, The Astrophysical Journal, Volume 870, Issue 1, article id. 9, 8 pp, publicaram idades precisas utilizando sistemas binários não interagentes.

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Zachary D. Hartman & Sébastien Lepine, 2017, The SUPERWIDE Catalog: A Catalog of 99,203 Wide Binaries Found in Gaia and Supplemented by the SUPERBLINK High Proper Motion Catalog, The Astrophysical Journal Supplement Series, Volume 247, Issue 2, id.66, 29 pp. fizeram um catálogo de binárias com separações até 1° usando os dados do Data Release 2 do Gaia.
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Modificada em 19 nov 2020