next up previous contents index
Próxima: Schwarzschild Volta: Interiores Estelares Anterior: Novas e Supernovas

Equilíbrio Hidrostático na Relatividade Geral

Einstein Para campos gravitacionais fortes, como no caso de estrelas de nêutrons e buracos negros, precisamos utilizar a equação de campo de Albert Einstein (1879-1955), já que a massa e energia curvam a geometria do espaço-tempo. Como esta equação precisa ser descrita por análise tensorial, vamos primeiro fazer uma revisão de coordenadas.

Espaço-Tempo de Minkowski

Lorentz Um ponto no espaço-tempo pode ser caracterizado por um evento, que aconteceu em um lugar do espaço, em um certo momento. Podemos caracterizar o espaço-tempo, e as transformações de Lorentz, propostas pelo físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928) em 1904, e utilizadas por Einstein na Teoria da Relatividade Especial em 1905:

$ x' = \frac{x-vt}{\sqrt{1-\frac{v^2}{c^2}}},$
$ t' = \frac{t-\frac{v}{c^2}x}{\sqrt{1-\frac{v^2}{c^2}}},$
introduzindo a coordenada imaginária $ -ict$ no lugar da coordenada temporal $ t$. Desta maneira, para um espaço cartesiano [René Descartes (1596-1650)], temos:
$ x_1 = x$
$ x_2 = y$
$ x_3 = z$
$ x_4 = -ict$
Com estas definições, podemos transformar de um sistema de coordenadas para outro mantendo a relação:
$ x_1^2+x_2^2+x_3^3+x_4^2 = x_1^{'2}+x_2^{'2}+x_3^{'2}+x_4^{'2}.$
Hermann Minkowski Um sistema de coordenadas descrito pelas coordenadas $ (x_1, x_2, x_3, x_4)$ acima é chamado de um sistema de Minkowski, pois foi proposto pelo matemático russo-alemão Hermann Minkowski (1864-1909). Este sistema é um espaço Euclidiano de quatro dimensões, e a transformação de Lorentz corresponde a uma rotação neste espaço quadri-dimensional.


Coordenadas Gaussianas

gauss
Em um sistema de coordenadas Euclidiano, a unidade de distância não varia com a posição. Carl Friedrich Gauss (1777-1855) propôs um sistema de coordenadas geral, não Euclidiano; imaginemos um sistema de coordenadas de curvas arbitrárias, não justapostas, em uma superfície qualquer. Em uma direção designemos as curvas por $ u$, designando-as $ u=1$, $ u=2$, .... Entre as curvas $ u=1$ e $ u=2$ podemos imaginar um número infinito de curvas, correspondendo aos números naturais entre 1 e 2. As curvas não se intersectam e somente uma curva passa por cada ponto da superfície, de modo que um valor perfeitamente definido de $ u$ pode ser estabelecido para cada ponto. Podemos estabelecer um sistema $ v$ de coordenadas sobre a superfície, de modo que um valor de $ u$ e $ v$ possam ser estabelecidos para cada ponto da superfície. Chamamos estes pontos de coordenadas gaussianas da superfície. Dois pontos próximos terão coordenadas $ P$ e $ P'$, com coordenadas:
$ P: \quad u,v$
$ P':\quad u+du, v+dv,$
onde $ du$ e $ dv$ são pequenos. A distância entre estes pontos $ ds$ será dada por:
$ ds^2 = g_{11}du^2 + 2 g_{12} dudv + g_{22} dv^2,$
onde $ g_{11}$, $ g_{12}$ e $ g_{22}$ dependem de $ u$ e $ v$, e representam a variação da unidade de distância em relação a elas. Somente para o caso especial em que a superfície seja Euclidiana e as coordenadas cartesianas, isto é, independentes, podemos escrever:
$ ds^2 = du^2 + dv^2.$
Podemos generalizar as coordenadas de Gauss para um contínuo de três ou mais dimensões. Para um contínuo de quatro dimensões, como o espaço de Minkowski, podemos escrever que dois pontos adjacentes estão separados por uma distância ds tal que:
$ ds^2 = g_{11}dx_1^2 + 2 g_{12} dx_1dx_2 + \cdots + g_{44} dx_4^2,$
onde os valores de $ g_{ik}$ variam com a posição.
$ ds^2 = g_{ik}dx^idx^k,$
onde está implícita a soma sobre todos os valores de i e k. ds, a métrica, é um escalar e tem o mesmo valor em qualquer sistema de coordenadas.

Por exemplo, para um sistema de coordenadas esféricas no espaço plano:

$ ds^2 = d(ct)^2 - dr^2 - r^2d\theta^2 - r^2 {sen}^2 \theta d\phi^2,$
enquanto em coordenadas cilíndricas:
$ ds^2 = d(ct)^2 - dr^2 - r^2d\phi^2 - dz^2.$
Na relatividade geral, a velocidade da luz não é mais mantida constante, mas depende do sistema de coordenadas quando um campo gravitacional está presente. A idéia fundamental da relatividade geral é que todos sistemas de coordenadas gaussianos são equivalentes para a formulação das leis gerais da natureza, de modo que as equações não devem mudar de forma ao serem submetidas a substituições arbitrárias das variáveis gaussianas. As transformações de Lorentz não satisfazem esta condição.

A equação de campo de Einstein, sem a constante cosmológica, isto é, válida para distâncias menores que 100 Mpc:

$ R_{ik} - \frac{1}{2}g_{ik}R = \frac{\kappa}{c^2}T_{ik}$ (1.89)
onde $ R_{ik}$ é o tensor espaço-tempo, $ g_{ik}$ são as componentes do tensor métrico e dependem do sistema de coordenadas usado e da unidade da coordenada temporal, $ T_{ik}$ é o tensor momentum-energia, que depende da distribuição e movimento das massas e do campo eletromagnético, e
$ \kappa \equiv \frac{8\pi G}{c^2}$
é a constante gravitacional de Einstein, na verdade as equações de campo formam um sistema de 10 equações diferencias de segunda ordem acopladas, considerando as combinações dos quatro i e k. O tensor métrico gik tem dez componentes, mas as somente 6 das equações de campo são independentes. Os outros 4 graus de liberdade permitem que as 4 coordenadas do sistema de coordenadas sejam escolhidas livremente. A escolha dos sistema de coordenadas pode facilitar a solução das equações de campo, mas a interpretação do sistema de coordenadas torna-se importante e não trivial.

Os tensores podem ser dilatados ou comprimidos, girados e invertidos, quando transformamos de um sistema de coordenadas para outro, mas não podem ser deslocados (sem termos aditivos) ou sujeitos a operações não lineares. Mas suas componentes podem, e geralmente são, funções não lineares das coordenadas.

O tensor de segunda ordem $ R_{ik}$, que descreve a forma do espaço-tempo, é chamado de tensor Ricci [Georgorio Ricci-Curbastro (1853-1925)], e contraído nos dá a curvatura escalar do espaço-tempo:

$ R = R_{km}g^{km}$
também chamada de curvatura de Riemann [Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826-1866)]. Na equação (1.89), os dois índices i e k variam de 0 a 3, os dois termos à esquerda do sinal de igualdade representam a curvatura do espaço-tempo e o termo à direita as forças que atuam neste sistema. Os índices repetidos significam soma, pela convenção da soma de Einstein.

O tensor de Ricci tem 44=256 componentes no espaço-tempo quadrimensional, mas não todas são independentes.

A equação é escrita de forma tensorial de modo a não depender dos detalhes do sistema de coordenadas, já que sempre podemos transformar o sistema de coordenadas para qualquer outro. Na relatividade geral não existe sistema de coordenadas absoluto e a única forma de medir o movimento de um corpo é em relação a outro objeto.

O tensor de segunda ordem de Ricci é função da geodésica:

$R_{ij} = \frac{\partial \Gamma^k_{ik}}{\partial x^j} - ...
...{\partial x^k} - \Gamma^k_{ij}\Gamma^l_{kl} + \Gamma^k_{il}\Gamma^l_{jk} $
através dos $ \Gamma^i_{kl}$, os símbolos de Christoffel [Elwin Bruno Christoffel (1829-1900)]:
${\Gamma^i_{kl} \equiv \frac{1}{2}g^{ij}(\frac{\partial...
...{\partial g_{jl}}{\partial x^i} - \frac{\partial g_{kl}}{\partial x^j}) }$
Os símbolos de Christoffel não são tensores. Para um sistema cartesiano em um plano, todos os gij são constantes e todas as derivadas do tensor métrico são nulas, de modo que todos os símbolos de Christoffel são nulos.

O tensor de curvatura de Einstein é definido como:

$ G_{ij} \equiv R_{ij} - \frac{1}{2}g_{ij}R$
Para um gás, o tensor energia-momentum em coordenadas curvilíneas pode ser escrito como:
$ T^{ik} = (\varepsilon + P) u^iu^k - Pg^{ik}$ (1.90)
onde
$\varepsilon = \rho c^2$
é a densidade de energia da matéria, incluindo a energia de repouso, medida no sistema em repouso com a matéria, $P$ é a pressão isotrópica,
$ u^i = \frac{dx^i}{ds}$
ui é a quadri-velocidade do gás e ds o intervalo entre dois pontos xi e xi+dxi.

Como a quadri-velocidade de um fluido medido por um observador em co-movimento com o fluido é simplesmente ui=(1,0,0,0), temos para um gás ideal:

T^{ik}
O tensor energia-momentum para um campo eletromagnético é dado por
$T^{ik}=-\frac{g_{lm}}{4\pi}F^{il}F^{km}
+ \frac{g^{ik}}{16\pi}F_{lm}F^{lm}$
onde $ F_{lm}$ é o tensor de campo eletromagnético. Este tensor causa uma tensão $ (E^2+B^2)/8\pi$ ao longo das linhas de campo, e uma pressão $ (E^2+B^2)/8\pi$ perpendicular às das linhas de campo, onde $ (E^2+B^2)/8\pi$ é a densidade de energia do campo eletromagnético.

Na relatividade especial, isto é, para campos gravitacionais desprezáveis, o intervalo de tempo próprio $ d\tau$ entre dois eventos definidos pelas coordenadas $ (t+dt, x+dx, y+dy,z+dz)$ e $ (t,x,y,z)$ é dado pela equação:

$ ds^2=c^2d\tau^2 = c^2dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2 \equiv \eta_{ij}dx^i dx^j$
onde $ \eta_{ij}$ é a métrica de Minkowiski, equivalente a $ g_{ij}$ na métrica generalizada. Mas para um campo gravitacional forte, o intervalo invariante de Riemann (tem o mesmo valor em qualquer sistema de coordenadas) $ ds$ é dado por:
$ ds^2 = g_{ij}dx^idx^j$
onde $ g_{ij}$ é um tensor simétrico, chamado de tensor métrico. Para pequenas regiões do espaço-tempo, o espaço pode ser considerado plano e as coordenadas Lorentzianas [Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928)]. Neste caso,
$ g_{ik} = \frac{dx^i}{dx^k}$
Um postulado da geometria de Riemann é que, em volta de qualquer ponto não singular, é possível definir um sistema de coordenadas em que o espaço é localmente inercial. Na relatividade geral este postulado é chamado de princípio da equivalência e significa que, na vizinhança de um ponto não singular arbitrário, o campo gravitacional é equivalente a uma aceleração uniforme.

A conservação de energia-momentum é expressa, por construção, pela lei fundamental de geometria:

$ {\bf\nabla \cdot T} = 0$
onde $\nabla \cdot$ denota a divergência covariante, com componentes:
\frac{1}{\sqrt{-g}}\frac{\partial \sqrt{-g}T^k_l}{\partial x^k}
-\frac{T^{km}}{2}\frac{\partial g_{km}}{\partial x^i} = 0
com o determinante $ g=\vert g_{ik}\vert$.

A equação de campo de Einstein (1.89):

$ R_{ik} - \frac{1}{2}g_{ik}R = (\frac{8\pi G}{c^4})T_{ik}$ (1.91)
precisa ser resolvida para dar a equação da geodésica (world line) de uma partícula, isto é, a distância entre dois eventos, definida em termos do seu tempo próprio $ \tau$ e da sua quadri-velocidade $ \bf u$ como um extremo:
$ {\bf\nabla_u\, u} = 0.$ (1.92)
A densidade de massa-energia, medida por um observador de quadri-velocidade $ \bf u$ é dada por:
$ \varepsilon = \rho c^2 = {\bf u \cdot T \cdot u} = u^iT_{ij}u^j$
A equação tensorial (1.89), no limite de campos gravitacionais fracos e velocidades não relativísticas, se reduz à equação de Poisson (1.111).

O movimento de uma partícula viajando de $ p_1$ a $ p_2$ no espaço-tempo é o caminho para o qual o tempo próprio dado por

$\tau = \int_{p_1}^{p_2} d\tau$
é um extremo, onde $ d\tau^2 = c^2 ds^2$.

Aplicando o cálculo variacional para achar o extremo:

$\frac{d}{d\tau} (\frac{\partial L}{\partial \dot{x}^i})
-\frac{\partial L}{\partial x^i} = 0$
onde o Lagrangiano é definido por:
$L = (\frac{ds}{c^2d\tau})^2 = g_{ij}{\dot{x}^i}\dot{x}^j$
e $ \dot{x}^i=\frac{dx^i}{d\tau}$. O Lagrangiano se parece com energia cinética - não existe energia potencial nesta formulação, pois esta é representada pela curvatura do espaço-tempo.

Na relatividade geral, as trajetórias dos fótons têm ds=0 e $ ds^2_{fótons} = c^2 d\tau^2_{fótons} = 0$, onde tau é o tempo próprio, isto é, medido no referencial da partícula.

BH" A equação de campo de Einstein vale para qualquer sistema de coordenadas generalizadas. Porque não escolhemos as coordenadas esféricas normais? Porque estas coordenadas não incluem a curvatura do espaço. Precisamos modificá-la para incluir a curvatura causada pelos efeitos gravitacionais, mas preservando a simetria esférica.
Em coordenadas esféricas ($ r,\theta,\phi$), a distância entre dois eventos é dada de forma genérica por:

$ ds^2 = U(r)c^2dt^2 - V(r)dr^2 -W(r)
r^2(d\theta^2 + {sen}^2 \theta\,d\phi^2)$
onde $ U(r)$, $ V(r)$ e $ W(r)$ são funções de $ r$.

Encontrar a solução da equação de campo de Einstein significa encontrar a geodésica que descreve o intervalo entre os eventos, para dados valores do tensor momentum-energia.

Sem perda de generalidade, podemos escolher as funções $ U(r)$ e $ V(r)$, com $ W(r)\equiv 1$, escrevendo:

ds^2 = e^{\nu}c^2dt^2 - e^{\lambda}dr^2 - r^2(d\theta^2 + {sen}^2 \theta\,d\phi^2),$ (1.93)
onde $ \nu=\nu(r)$ e $ \lambda=\lambda(r)$ são as funções que queremos determinar. Esta forma foi utilizada por Karl Schwarzschild (1873-1916) em 1916, bem como por Richard Chase Tolman (1881-1948) no seu artigo publicado em 1939 no Physical Review, 55, p. 364-373, e Julius Robert Oppenheimer (1904-1967) & George Michael Volkoff (1914-2000) no artigo publicado no mesmo volume, p. 374-381.

Trata-se de uma métrica estática $ (\partial g^{ij}/\partial t=0)$ e ortogonal $ (g_{tr}=g_{t\theta}=g_{t\phi}=0)$. O elemento espacial de distância é dado por $ e^{\lambda/2}dr$.

As únicas componentes covariantes não nulas do tensor métrico para esta métrica de Schwarzschild com $ x_0=ct$ são:

$ g_{00} = e^\nu\quad g_{11}=-e^\lambda \quad g_{22}=-r^2
\quad g_{33} = -r^2{sen^2}\theta$
e os símbolos de Christoffel:
$ \Gamma^i_{ii} = \frac{1}{2}g_{ii} \frac{\partial g_{ii}}{\partial x_i}$
$ \Gamma^i_{jj} = -\frac{1}{2}g_{ii} \frac{\partial g_{jj}}{\partial x_i}$
$ \Gamma^i_{ij} = \frac{1}{2}g_{ii} [\frac{\partial g_{ii}}{\partial x_j}+ \frac{\partial g_{jj}}{\partial x_i}]$
$ \Gamma^i_{ji} = \frac{1}{2}g_{ii} [\frac{\partial g_{ii}}{\partial x_i}+ \frac{\partial g_{ii}}{\partial x_j}]$
se reduzem a:
$ \Gamma^1_{00} = \frac{\nu^{\prime}}{2}e^{\nu - \lambda}$
$ \Gamma^1_{11} = \frac{\lambda^{\prime}}{2}$
$ \Gamma^1_{22} = -re^{-\lambda}$
$ \Gamma^1_{33} = -r{sen}^2 \theta e^{-\lambda}$
$ \Gamma^0_{10} = \frac{\nu^{\prime}}{2}$
$ \Gamma^2_{12} = \Gamma^3_{13} = \frac{1}{r}$
$ \Gamma^3_{23} = \cot \theta$
$ \Gamma^2_{33} = -{sen}\,\theta \cos \theta$
o tensor de Ricci:
$ R_{00} = [-\frac{\nu^{\prime\prime}}{2} +
\frac{\lambda^\prime...  \frac{(\nu^\prime)^2}{4} -
\frac{\nu^\prime}{r}]e^{(\nu-\lambda)}$
$ R_{11} = \frac{\nu^{\prime\prime}}{2} - \frac{\lambda^\prime \nu^\prime}{4} +
\frac{(\nu^\prime)^2}{4} - \frac{\lambda^\prime}{r}$
R_{22}=(1+\frac{r\nu^\prime}{2}-\frac{r\lambda^\prime}{2})e^{-\lambda}-1
$ R_{33} = R_{22}{sen}^2\theta$
e finalmente a curvatura de Riemann:
$ R$ $ =$ $ e^{-\nu}R_{00} - e^{-\lambda}R_{11} - \frac{2}{r^2}R_{22}$  
  $ =$ $ e^{-\lambda}[-\nu^{\prime\prime} + \frac{1}{2}\lambda^\prime...
...r^2} +
\frac{2\lambda^\prime}{r} - \frac{2\nu^\prime}{r}] + \frac{2}{r^2}$


Volta Astronomia e Astrofísica


next up previous contents index
Próxima: Covariante e Contravariante Próxima: Schwarzschild Volta: Interiores Estelares Anterior: Novas e Supernovas
©
Modificada em 9 out 2011