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Polítropos

Polítropos são modelos para os casos em que a pressão pode ser escrita como uma função que depende somente da densidade. Nestes casos específicos, como para gases degenerados, podemos calcular analiticamente as relações entre pressão, massa e raio. Quando vamos calcular modelos estelares, necessitamos de valores iniciais de pressão central e raio estelar, por exemplo. Como podemos estimar estes valores? Em geral usam-se modelos de polítropos para estes valores iniciais. Os polítropos são adequados para situações especiais, como no caso de anãs brancas e estrelas no Ramo Gigante e Supergigante.

Quando discutimos a equação de estado de um gás completamente degenerado, não-relativístico, obtivemos:

$ P_e = 1,004 \times 10^{13}(\frac{\rho}{\mu_e})^{\frac{5}{3}} \,{dina/cm^2}$ (1)
que é uma lei de potência com $ P \propto (\rho/\mu_e)^{5/3}$.

Outra situação é para uma estrela completamente convectiva, com $\nabla=\nabla_{\mathrm{ad}}=\frac{\Gamma_2-1}{\Gamma_2}$. Como $ d\ln P = dP/P$ e

$\nabla \equiv \frac{d\ln T}{d\ln P}$ (2)
Integrando-se, obtemos
$ P(r) \propto T^{\Gamma_2/(\Gamma_2-1)}(r)$ (3)
Se o gás for ideal, $ T\propto P/\rho$ e portanto $ P(r) \propto \rho^{\Gamma_2}(r)$.

Como nesses exemplos, se a pressão puder ser escrita como uma função da densidade somente, $ P=P(\rho)$, então a estrutura da estrela depende somente das equações de equilíbrio hidrostático e continuidade da massa. Em particular, se a pressão em todos os pontos do interior estelar satisfizer a relação

$ {P = K\rho^{(n+1)/n}}$ (4)
com $ K$ e $ n$ constantes, a configuração é chamada de um polítropo.

Para um gás ideal, $ \Gamma_2=5/3$, e $ P(r) \propto \rho^{\Gamma_2}(r)$ de uma estrela completamente convectiva nos dá

$frac{n+1}{n}=\frac{5}{3}\longrightarrow n=\frac{3}{2}$
Note que este é o mesmo expoente do gás completamente degenerado, não relativístico.

As equações de equilíbrio hidrostático e continuidade da massa podem ser reduzidas a uma equação diferencial de segunda ordem, dividindo-se a equação de equilíbrio hidrostático por $ \rho$, multiplique por $ r^2$ e, então, derivando-se em relação a $ r$ os dois lados:

$ \frac{1}{r^2}\frac{d}{dr}(\frac{r^2}{\rho}\frac{dP}{dr}) = -4\pi G\rho$ (5)
que é a equação de Poisson.

Se definirmos variáveis adimensionais

$ \rho(r) \equiv \rho_c \theta^n(r)$ (6)
e
$ r \equiv a\xi$ (7)
onde $ \rho_c=\rho(r=0)$ é a densidade central e a constante $ a$ dada pela equação
$ a = [\frac{(n+1)K\rho_c^{(1/n-1)}}{4\pi G}]^\frac{1}{2}$ (8)
a equação de Poisson (equação 5) pode ser escrita como
$ \frac{1}{\xi^2}\frac{d}{d\xi}(\xi^2\frac{d\theta}{d\xi})=-\theta^n$ (9)
Essa equação é chamada de equação de Lane-Emden, em honra ao físico americano Jonathan Homer Lane (1819-1880), que derivou a equação do equilíbrio hidrostático em 1869 e ao físico suíço Robert Emden (1862-1940). Modelos correspondentes às soluções dessa equação, para um certo valor de $ n$, são chamados de polítropos de índice $ n$. A pressão será dada por
$ P(r) = K\rho_c^{1+1/n}\,\theta^{1+n} = P_c \theta^{1+n}$ (10)
Se a equação de estado do material for a de um gás ideal, com
$ P = \frac{\rho}{\mu}N_AkT$ (11)
então
$ P(r) = K' T^{n+1}(r)$ (12)
e
$ T(r) = T_c\theta(r)$ (13)
com
$ K' = (\frac{N_Ak}{\mu})^{n+1}K^{-n}$ (14)
e
$ T_c = K\rho_c^{1/n}(\frac{N_Ak}{\mu})^{-1}$ (15)
Portanto, para um polítropo com equação de estado de gás ideal e $ \mu$ constante, $ \theta$ mede a temperatura. Finalmente, nesse caso, o fator de escala radial é dado por
$ a^2 = (\frac{N_Ak}{\mu})^2 \frac{(n+1)T_c^2}{4\pi G P_c} = \frac{(n+1)K\rho_c^{1/n-1}}{4\pi G}$ (16)
As condições de contorno $ \rho(r=0)=\rho_c$ e $ dP/dr=0$ para $ r=0$ se traduzem em $ \theta(\xi=0)=1$ e $ \theta'(0)\equiv d\theta/d\xi=0$. Se o índice politrópico $ n$ e a densidade central $ \rho_c$ forem dados, podemos integrar a equação de Lane-Emden (equação 9) numericamente do centro até uma distância $ r=R$ onde $ P=0$. Se chamarmos de $ \xi_1$ a variável radial onde $ \theta(\xi_1)=0$ para $ r=R$, obtemos para o valor do raio $ R$:
$ R = a\xi_1 = [\frac{(n+1)P_c}{4\pi G \rho^2_c}]^\frac{1}{2} \xi_1$ (17)
Dessa forma, especificando K, n e ρ, ou Pc, obtemos o raio R.

Politropos Solução analíticas existem para n=0, 1 e 5. Soluções numéricas precisam ser obtidas para um valor de n geral. A solução para n=0 corresponde a uma esfera de densidade constante, e

$ \theta_0(\xi) = 1 - \frac{\xi^2}{6}$ (18)
com $ \xi_1 = \sqrt{6}$. Nesse caso
$P_c = \frac{3}{8\pi}\frac{GM^2}{R^4}$ (19)
Para n=1 a solução $\theta_1$ é a função sinc
$\theta_1(\xi) = \frac{{sen}\,\xi}{\xi}$ (20)
com $ \xi_1 = \pi$. A densidade é dada por $ \rho=\rho_c \theta$ e a pressão por $ P = P_c \theta^2$.

O polítropo para n=5 tem uma densidade central finita, mas o raio é ilimitado

$ \theta_5(\xi) = [1+\xi^2/3]^{-\frac{1}{2}}$ (21)
com $\xi_1 arrow \infty$. Apesar de ter raio infinito, o polítropo contêm uma quantidade de massa finita. As soluções com $ n>5$ também são infinitas em raio, mas contém também massa infinita. O intervalo de interesse, portanto, está limitado para $ 0 \leq n \leq 5$.

A massa contida em uma esfera de raio r pode ser obtida pela equação da continuidade da massa

$ dM_r = 4\pi r^2 \rho dr$ (22)
Em termos de $ \xi$, obtemos
$ M_\xi = 4\pi a^3 \rho_c \int_0^\xi \xi^2\theta^n d\xi$ (23)
Pela equação de Lane-Emden (equação 9), podemos substituir $ \theta^n$ por
$\theta^n = - \frac{1}{\xi^2}\frac{d}{d\xi}(\xi^2\frac{d\theta}{d\xi})$ (24)
eliminando o fator $ \xi^2$ e a própria integral, obtendo
$ M_\xi = 4\pi a^3 \rho_c (-\xi^2\theta')_\xi$ (25)
onde $ (-\xi^2\theta')_\xi$ significa calcular $ (-\xi^2d\theta/d\xi)$ no ponto $ \xi$. A massa total é dada por $ M=M(\xi_1)$ e
$M = \frac{1}{\sqrt{4\pi}}(\frac{n+1}{G})^\frac{3}{2}\frac{P_c^{3/2}} {\rho_c^2}(-\xi^2\theta')_{\xi_1}$ (26)
Com alguma álgebra, pode-se chegar a
$ P_c$ $ =$ $ \frac{1}{4\pi(n+1)(\theta')^2_{\xi_1}}\frac{GM^2}{R^4}$ (27)
  $ =$ $ \frac{8,952\times 10^{14}}{(n+1)(\theta')^2_{\xi_1} }
(\frac{M}{M_\odot})^2 (\frac{R}{R_\odot})^{-4}\,
{dina/cm^2}$ (28)
Se a equação de estado for de um gás ideal
$ T_c$ $ =$ $ \frac{1}{(n+1)(-\xi\theta')_{\xi_1}}
\frac{G\mu}{N_Ak}\frac{M}{R}$ (29)
  $ =$ $ \frac{2,293 \times 10^7}{(n+1)(-\xi\theta')_{\xi_1}}
\mu(\frac{M}{M_\odot})(\frac{R_\odot}{R})
\,{K}$ (30)
Para cada valor de $ n$, podemos obter $ K$ em função de $ M$ e $ R$:
$ K = [\frac{4\pi}{\xi^{n+1} (-\theta')^{n-1}}]^{\frac{1}{n}}_{\xi_1} \frac{G}{n+1}M^{1-1/n}R^{-1+3/n}$ (31)
Note que se n=3, $ K$ depende somente de $ M$.

Uma outra quantidade útil é a densidade média

$ \frac{\rho_c}{\langle \rho \rangle} = \frac{1}{3} (\frac{\xi}{-\theta'})_{\xi_1}$ (32)
Os valores de $ n$ que nos interessam são n=3/2, para o caso de um gás completamente degenerado mas não relativístico, $ P_e \propto \rho^{5/3}$, que também é o caso de um gás ideal completamente convectivo, e $ n=3$ para um gás totalmente relativístico $ P_e \propto \rho^{4/3}$.

As soluções numéricas nestes casos estão listados na Tabela (1).

Tabela 1: Resultados para polítropos com n=3/2 e 3
table263
Comparação com modelo do Sol
Um polítropo com a massa e o raio do Sol e n=3 tem ρc=7.65×104 kg/m3 e Pc=1.25×1016 N/m2, enquanto um modelo do Sol tem ρc=1.52×105 kg/m3 e Pc=2.34×1016 N/m2.

Aplicações para Anãs Brancas

Um gás completamente degenerado mas não-relativístico pode ser representado por um polítropo de ordem $ n=3/2$. Além disso, a comparação da relação entre pressão e densidade de um polítropo (equação 4) com a equação da pressão degenerada não-relativística (equação 1) mostra que
$ K = \frac{1,004 \times 10^{13}}{\mu_e^{5/3}}$ (33)
Mas se usarmos o valor da constante K dado pela equação (31), com o valor do coeficiente θ′ dado pela tabela (1), obtemos
$K=2,477\times 10^{14}(\frac{M}{M_\odot})^\frac{1}{3}(\frac{R}{R_\odot})$ (34)
Substuindo (33) em (34) obtemos a relação massa-raio das anãs brancas:
${\frac{M}{M_\odot}=2,08\times 10^{-6}(\frac{2}{\mu_e})^5(\frac{R}{R_\odot})^{-3}}$ (35)
Vemos que para um gás completamente degenerado, o raio é menor quanto maior for a massa e, pelo princípio da incerteza, maior é a velocidade dos elétrons.

Para o limite completamente degenerado e relativístico, encontramos

$ P_e = 1,243x10^{15}(\frac{\rho}{\mu_e})^{4/3} {dina/cm^2}$ (36)
Portanto, trata-se de um polítropo com $n=3$. Usando a constante K dada pela equação (31), com o valor do coeficiente θ′ dado pela tabela (1) nos dá
$K =\frac{1,243\times 10^{15}}{\mu_e^{4/3}}=3,841\times 10^{14}(\frac{M}{M_\odot})^\frac{2}{3}$ (37)
ou
$ {M_{Chand} = 1,456 (\frac{2}{\mu_e})^2 M_\odot}$ (38)
que é a massa limite de Chandrasekhar, a maior massa que uma anã branca pode alcançar, pois neste caso a velocidade dos elétrons é igual à velocidade da luz!

Limite de Eddington

Para estrelas de altíssima massa, a pressão de radiação domina. Calculemos quando a pressão de radiação é igual à gravidade local; para qualquer valor de radiação acima desse limite, não haverá equilíbrio hidrostático, havendo excessiva perda de massa.

Pela equação do equilíbrio hidrostático, substituindo a pressão total pela pressão de radiação:

$ - \frac{dP_{rad}}{dr} = g_s \rho$ (39)
A equação do transporte radiativo é dada por
$ L_r = -4\pi r^2 \frac{4ac}{3}\frac{T^3}{K\rho}\frac{dT}{dr}$ (40)
e a pressão de radiação por
$ P_{rad} = \frac{1}{3}aT^4$ (41)
Portanto, derivando a equação (41) em relação a $ r$, obtemos
$ \frac{dP_{rad}}{dr} = \frac{4}{3}aT^3\frac{dT}{dr}$ (42)
ou seja, podemos escrever a equação (40) como
$ L_r = -4\pi r^2 \frac{c}{K\rho}\frac{dP_{rad}}{dr}$ (43)
Substituindo o último termo pela equação (39), obtemos
$ L_r = 4\pi r^2 \frac{c}{K}g_s = 4\pi r^2 \frac{c}{K}\frac{GM}{r^2}$ (44)
chegando-se ao limite de Eddington, que representa a maior luminosidade que uma estrela de massa $ M$ pode ter em equilíbrio hidrostático:
$ {L_{Edd} = \frac{4\pi cGM}{K}}$ (45)
Como para altas temperaturas a opacidade K é dominada pelo espalhamento de elétrons, $K=K_e= 0,2(1+X){cm^2/g}$, podemos estimar, para X=0,7:
$ {\frac{L_{Edd}}{L_\odot} \simeq 3,5 \times 10^4 (\frac{M}{M_\odot})}$ (46)
Na verdade, se a luminosidade for alguns décimos da luminosidade de Eddington, a pressão de radiação será tão intensa que haverá perda de massa significativa.

Se dividirmos a relação entre a massa e a luminosidade na seqüência principal

$ \frac{L}{L_\odot} \simeq (\frac{M}{M_\odot})^3$
pela equação (46) obtemos
$\frac{L}{L_{Edd}}\simeq \frac{1}{3,5\times 10^4}(\frac{M}{M_\odot})^2$
ou seja
$ L=L_{Edd}$ para$ \quad M=\sqrt{3,5 \times 10^4}  M_\odot \simeq 187 M_\odot$
Esta é a maior massa para uma estrela na seqüência principal. Sir Arthur Stanley Eddington (1882-1944), no seu livro "A Constituição Interna das Estrelas" de 1929, já propôs que as estrelas acima de uma certa massa sofreriam pulsações que as tornariam instáveis, limitando suas massas.

O limite derivado acima, com a opacidade dada por espalhamento de elétrons, é maior do que o observado, pois o vento é dominado pela opacidade das linhas metálicas, como mostrado por Henny J.G.L.M. Lamers (1941-) & Edward L. Fitzpatrick em 1988, no Astrophysical Journal, 324, 279.

É interessante notar que embora as estrelas tipo O sejam intrínsecamente mais luminosas, como a maior parte da radiação é emitida no ultravioleta, as estrelas A7 supergiantes são mais luminosas no visível. Note também que durante a seqüência principal, o vento de uma estrela de 100 massas solares contribui cerca de 2 × 1051 ergs, mais do que os cerca de 1051 ergs despejados no meio interestelar por uma supernova tipo II.


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Modificada em 7 set 2011